Lágrimas

URGE que caia algo dos meus olhos
Gota perfeita cintila debaixo de um sorriso quase imperceptivel
Água apenas, flor de dor , mágoa cinzenta
Polpa de maçã do nosso destino
De ser mais do que sou, de não ser nada porque existo como contrária à minha faculdade de ser
APENAS
Uma parte de Ti !

12 Outubro 1979

Como começa o amor???

O amor começa por um afecto, de um gesto apenas, uma flor imerge - nos invade- aos lábios cresce já um fogo brando, já quente…uma luz ténue principia a iluminar os mais simples passos. Digamos que as mais pequenas coisas apresentam subitamente uma beleza inesperada, nunca por nós imaginadas. As luzes dos comboios no cais da partida da nossa cidade à beira Tejo têm um brilho envolvente diferente dos outros dias…
Foi importante ter andado a matutar nesta necessidade imperiosa de escrever algo sobre o começo do amor…. A tal ponto que pedi emprestada a caneta com que escrevo estas linhas a uma amável companheira de viagem via Estoril que é perto de onde vivo. Chegarei a casa e farei coisas positivas sobre o começo do amor. Preciso escrever. Principiarei com força e convicção com quem começa a amar…
É assim o começo do amor.
Modifiquei a minha modesta sala de estar, revolvi, alterei... Entreguei !

1979

Lembranças

Vejo passar os barcos sob a chuva. ..
Sentada sob a ausência, nenhuma boca pronuncia o meu nome!
De mãos vazias, vejo passar os barcos… apenas…
O que fica do que nos deram, é firme !
O resto… simples cinza aérea que já nem faz sombra no vento !
Ela parte, a ave gloriosa que planou sobre nós
Não tenhamos pena… reneguemos mum último sopro a memória da música !

Á minha filha Maria

Entre Março e Abril...

Que cheiro doce e fresco por entre a brisa da noite me trouxe o teu rosto

Um rosto que outrora foi meu, um dos poucos que foi afago, festa, Primavera…

Que mãos te acolhem agora ? Estarão secas as mãos que outrora foram minhas ?

O dobrar dos sinos

Nunca cheguei a perceber porque razão os sinos me transportam com uma força que nao sei medir para um mundo que não é este... onde vivo ! qualquer sino que toque faz parar tudo em meu redor, é mais forte do que eu, por mais que me esforçe por me concentrar naquilo que estava a fazer, uma conversa com alguém... é inútil. Elevo-me ao ponto de imediatamente separar-me do que me rodeia como se alguém me estivesse enviando um recado, uma mensagem que há muito espero...não sei nuito bem explicar esta sensação, mas de facto pára tudo à minha volta. Se necessário, consigo ouvir o som de um sino lá bem longe, ninguém ouve... mas eu consigo ouvir.

Ah se eu me pudesse transformar-me num anjo ou numa fada boa... que guiasse os passos das minhas filhas, as levasse como que voando sobre águas límpidas até ao lugar certo onde tudo se descobre com nitidez, para onde quer que olhassem conseguiriam ver sempre o rumo que deveriam traçar . ...quem sabe, um dia vão saber o quanto as amei... o quanto os sinos trazem mensagens e, se calhar, nos ajudam a saber quem somos...

Se tu soubesses..

Ah se tu soubesses quantos nós tenho que dar os meus dedos, quanta água tenho que deitar em mim para que não me saia este rastilho, este turbilhão de abraços
que desfaço... de risos , pés descalços, lareira... fogueira ? sempre!!! mais e mais acesa...
Ah se tu soubesses como te olho, parecendo que não olho... Estes meus olhos por onde escorre mágoa, ou ...água...,para o caso tanto faz, tanto fez !
meus pés descalços na pureza de um abraço que se não deu, porque não és meu...
inicialmente meu!
mas sei que se não vens à minha porta, foi porque assim escolhi
não posso roubar o que já vivi em ti
Sai ! Deixa-me respirar e ver outras coisas
que não verei se de mim não saires...
Ah se tu soubesses
como dificil é permanecer quieta e muda... Eu não sou assim : matemática, cálculos
Dêem-me um bihete para a estação mais distante daqui, para o átrio da mais distante escola
dêem-me antes pedrinhas e baloiços ...
e sai-me da minha frente com essa beleza irremediável !

Novembro 1982

Milagre das cores

Frente à janela
de quem mata saudades
de um rio
planta verde, lilás ou rosa - cor de movimento - arcoíris -
Perdi a coragem
onde contigo me perdi, perdendo tudo para não te perder
Porque agora, como perder-te
se já não te encontro mais...
Tua presença já não constitui um problema
para as minhas mãos
ou
para os meus olhos
Esses... já não procuram os teus
procuram sim,
a distante e amarela distância
de quanto tudo era vivo à nossa volta
porque estavas vivo nos meus sonhos
no meu quotidiano de mel
E corria para o autocarro que me levava
ao sítio exacto onde tudo era colorido e vivo
...coloquei minha mão de esperança numa caixinha de barro
e deixei-me adormecer
sorrindo
Todas as coisas vêm e passam com a perfeita exactidão
da facilidade de me fazer cantar e sonhar...
tal qual como fico muda para não mais me lembrar
que um dia
te abracei no meu coração
te quis dar flores e levar-te a ver os patos...
minhas mãos, sorrisos, lágrimas
e mais... de que já nem quero falar
... que já nem me lembro direito !

Dezembro de 1979

Vem comigo

Olha aqui !!!
há um lugar chamado 'sem nome'
aonde nós podemos ir fazer amor
sem ornamentos, nem estatutos
há um lugar que nós os dois temos aqui para inventar
quando tu sonhas no dominó dessas paredes do pudor
Há um lugar aqui bem perto, um campo cheio de verdes...que tu e eu queremos hoje
... A nossa máxima, somos os dois feitos um só na terra fértil sem o mistério do impossível
sempre nos braços das nossas tormentas em tudo aquilo que sabe ser vida, e há-de ser sempre Homem-Mulher perpetuamente !
Que interessam os outros ? Anda comigo que o amor é possível quando se insiste e se acredita nesse lugar
Olha aqui ...! Anda daí !!!

Humanidade

Um dia hei-de respirar uma manhã de sol contigo a meu lado
E de cabeça erguida
com a tua sombra à minha frente
hei-de ver os Homens
nada de máscaras...
dor , revolta ou ódio, homens divididos,
brancos ou pretos, mulatos, amarelos ou vermelhos
crenças e amuletos, cabanas e castelos...
como se a condição da tez fosse deste momento supersónico que vai estourar
o muro da estupidez...
Sou daltónica !!!!
Homens a sorrir contentes de si mesmo, com a certeza de paz e pão em cada rosto
E sem condicionalismos de espécie alguma, dignos da sua liberdade
Terei enfim com os teus lábios a encontrar os meus
vinte e quatro horas para te dar a mais bela canção de amor

08 de Maio 1977

Recomeço

...quando da alma pouco ou quase nada fazia sentido, ou o acordar pela madrugada dentro se tornara já um hábito, um cerrar de dentes sistemático em que as lágrimas eram entrecortadas pelo tictac do despertador na mesa de cabeceira...
abriu-se tua alma, cristal iluminando um pouco a espera do final de cada noite que costumava decorrer pastosa e lenta, companheira minha do insucesso que guardava em mim
abriu-se tua alma, dedos que imaginava cerrados e incapazes de um gesto, descruzaram-se como pétalas a abrir ao nascer dos dias
abres agora as asas do silêncio
ofereces-me um campo de giestas num sorriso aberto ao vento, tranquilo...
alguma inquietude... mas nesse sorriso pude ler cartas de esperança que nunca escreveste, mas que estavam escritas nas linhas da tua mão
um pouco receosos, não pudemos conter a alegria do reencontro - areia e mar, onda e areia, numa harmoniosa conjugação, ritmada ao som do bater dos corações
reencontro macio e confortável que só o passar dos anos permite entender!

04 de Março 2009

Onde andarás tu ???

Trago nas mãos o teu rosto, guardo teu cheiro a maresia, recordo os jantares que tivemos e os que não chegamos a ter, relembro o teu riso largo e fresco, por vezes malicioso, as manhãs abertas á nossa espera, a espera de quatro anos que se atrapalhavam pelas escadas, o arrepio das noites em que ouvia a tua voz a ecoar pelas paredes, corria escada abaixo e soletrava pedacinhos de algodão que caiam breves na tua sala. Alguns ficaram nos tapetes até agora...quem sabe? quem sabe se me aceitarás agora livre de reflexos, desnudada da mesquinhez que outros me imputaram e da qual me consegui finalmente me libertar... Estarás ainda aí?